Vivia-se mais um verão “quente”.
O sol queimava e nem uma brisa. O tempo estava realmente uma “brasa”.
As polémicas decisões da WEFA, a traição de “Trânsfuga Cebola” em colaboração com a guerrilha corrupta, com “off-shores” à mistura, e a novela “à italiana” do “Ciganolas”, dominavam a actualidade futebolística, sempre a altíssima temperatura.
Mas pairava no ar a sensação de que ainda algo mais estava para acontecer.
No campo, as verdes planícies de “Ricochete”, com o Tajo ali tão perto, pareciam o “mar da tranquilidade”.
Aparentemente, a tranquilidade era quase absoluta.
Só se ouviam o “cantar” dos grilos e o “piar” sedento de um ou outro pássaro que passava.
Sob alguma tensão, mal disfarçada, Jameson Philip Franco Distillery, homem de farta bolsa e palavra fácil, tentava vislumbrar os flamingos no estuário do Tajo através do seu longilíneo perfil e com uns binóculos de longo alcance que lhe oferecera o seu comparsa, Giorgio di Bufa.
Estou a tentar descortinar mais uns “rosinhas” – observava ironicamente Jameson, dando uma sarcástica gargalhada, virando-se para Dranquilo Bentoso que o acompanhava num breve passeio.
Tranquilo, “Boss”. Tranquilo! Vai ser difícil descobrir alguma coisa. Eles já todos têm penugem vermelho vivo, e junto com as águias vermelhas de três estrelas confundem-se e estão prontos para o seu “vôo picado”. Mas o Costa Maestro, nestas coisas, ainda está muito “verdinho”, cruzes canhoto! - ripostava Bentoso já com aquele habitual olhar meio vesgo.
Mas já levaram o Carlos Botins, não foi? – perguntou Jameson desconfiado.
Bentoso limpou o suor da testa, e ainda atrapalhado lá respondeu, descaindo-se:
- É verdade, “Boss”, é verdade! Mas esse já não era nosso. Foi…
Sabe, “Boss”, o nosso problema é outro.
Hã? Outro? – perguntou o patrão com aquela cara de “irish sixty years old”.
Sim. O problema é o Mouquinho. Desde que o Giorgio di Bufa lhe assoprou ao ouvido, o rapazola tem andado em “pulgas”. Isto é como deitar dez formigas esfomeadas num ouvido de um cavalo, ninguém o segura! E o Mouquinho fazendo jus ao seu nome está com as “orelhas moucas” aos meus apelos. E o “Zeloso” a mesma coisa, vai penteando a sua crista de “granizé” e adelgaçando a sua “bunda”, só pensando no “Infernal” e no “Winchester”. Está aqui um grande bido-de-obra! – referiu Bentoso.
E não há mais bicos-de-obra? – perguntou Jameson, continuando logo de seguida:
- É que eu tenho ouvido para aí uns “zuns-zuns” que francamente não me agradaram. O pretensioso Queiroga está de volta do “Winchester” e consta-se que eles andam à procura de um português…
Neste preciso momento tocou o telemóvel de Dranquilo Bentoso.
Olhou para o visor, e o número tinha um indicativo que ele desconhecia.
Atendeu e seguiu-se um misterioso diálogo:
- Hello! Dranquilo?
Yes…sim… everything is calm! – respondeu Bentoso.
- Daqui “Nini” de “Winchester”. Só para te informar que o Queiroga já está de abalada e o clube vai abrir novos concursos. Não te esqueças dos níveis. Dão preferência a portugueses.
No entanto a chamada caiu, deixando Bentoso atónito.
Este era um sinal a dobrar, um sinal de que a sua vida poderia mudar e de que maneira!
Jameson enfiou-se na sua fleuma britânica desconfiado, mas não disse mais nada.
Bentoso, inebriado pelo “el dorado” inglês, decidiu partir à aventura. Sem dizer nada a ninguém, pediu três dias de dispensa ao seu “Boss” para tratar de assuntos pessoais urgentes. Passou pelo “Dumbo” do “Colômbio” para comprar um nível completo vermelho de bolha amarela, fez a mala, e aí está ele voando por entre as nuvens, directamente para “Winchester”.
À saída do aeroporto, por mera casualidade, ainda se cruzou fugazmente com Chris Dois Caldos que partia para Palma de Falorca enroscado numa bela Galharda, ambos num monumental farfalhanço, com ele completamente sintonizado no par de portentosas e reluzentes “nereidas” que ela ostentava brilhantemente. Realmente era um “material” de fazer parar o trânsito, e tanto é, que Dranquilo, com aquele seu corte de cabelo e ar taralhouco, muito próprio de um papalvo a olhar para um palácio, seguiu-a gulosamente com o seu olhar e só depois é que ouviu de Chris Dois Caldos um estridente assobio e o viu, a acenar-lhe com um adeus, dizendo-lhe:
- Até à Lísbia, my friend!
Chegado à cidade dos seus sonhos, pediu um táxi para “Old Crafford”.
Após uma curta viagem, saiu do táxi, entrou pela porta principal do estádio e, dirigindo-se ao porteiro perguntou-lhe onde se efectuavam as inscrições para os concursos anunciados. Com a mala e o nível na mão deparou-se com uma enorme fila orientada na direcção de um guiché cujo indicativo dizia – ADMISSÕES.
Bentoso, cansado e tenso, esperava ansiosamente pela sua vez.
Já perto da porta decisiva, deu mais um polidela com a manga do casaco no nível que tinha comprado e preparou-se, compenetrado, para apresentar a sua candidatura.
Quando chegou a sua vez, apareceu-lhe um “càmone” que indiferente e sem sequer olhar para ele, lhe pediu:
- Carteira profissional e nível, por favor.
Bentoso, muito nervoso, entregou-lhe os objectos.
O “càmone” muito espantado, olhou para o nível e perguntou:
- Isto é que é o teu nível?
É, vermelho e tudo. Não foi o que pediram? – perguntou Bentoso às “aranhas”.
Foi, foi. Olha, vais dirigir-te àquela porta lá ao fundo do corredor e esperas que te chamem, ok? – disse o “càmone” com um ar esquisito.
Sim, ok! Obrigado! – respondeu Bentoso.
Bentoso, cheio de esperança, lá foi. Quando se aproximou, apercebeu-se de que a porta tinha também um cartaz com um emblema do “Winchester”. Esse cartaz dizia:
- TESTES PARA ADMISSÃO DE APANHA-BOLAS EM “OLD CRAFFORD”.
Arrasado, ficou verde e furioso. Ele que já via o vermelho no seu horizonte.
O regresso à realidade e a “Ricochete” não tardou.
Novamente no seu país, sem saber o que pensar e dizer, pôs imediatamente à venda, no "e-bay", o famigerado nível.
Passado o terceiro dia, de volta ao “Centro Académico de Ricochete”, Jameson esperava-o à entrada, sorrindo, de mãos nos bolsos, junto ao portão, mandando mais umas fumaças no seu inseparável charuto. Acabrunhado e encolhido, com aquele habitual olhar agitado, de meio atordoado, meio em pânico, balbuciava umas palavras que ninguém percebia. O sonho desvaneceu-se. Estava de rastos!
Mas Jameson Distillery, magnânimo, pôs-lhe a mão no ombro e com aquele sorriso paternalista, disse-lhe serenamente:
- Dranquilo, vai. Vai lá à sala de imprensa que os jornalistas esperam-te. Diz-lhes que está tudo tranquilo, que não se passou nada, e começa já a fazer pressão sobre a arbitragem para a quarta jornada do campeonato, como tu tão bem sabes fazer, vai! E esquece a rainha, ok?
Obrigado, “Boss”! Já estou mais aliviado! Fique descansado que vou já começar a tratar da saúde aos “gajos”! – exclamou Dranquilo.
GRÃO VASCO