“A HOMENAGEM”
Jójó Soisa não cabia em si de contente. Saltaricava tipo “pé coxinho”, louco de alegria. Agarrando sofregamente o apito, Jójó bufava, bufava, bufava com quantas forças tinha, como que querendo anunciar a boa-nova a toda a gente do bairro e das redondezas.
Vittorio Pederneira, presidente do Conselho dos Apitadores Profissionais, tinha acabado de lhe telefonar, comunicando-lhe que tinha sido o primeiro dos primeiros da época finda e consequentemente tinha ganho o prémio de Melhor Apitador do Ano.
Que felicidade!!!
Ele, Jójó, que se tinha esmerado tanto a decorar a “Cartilha Dourada” de uma ponta à outra, anos a fio, qual “catraínho” de “madrassa” arengando aquela lenga-lenga, baloiçando-se para a frente e para trás até decorar todas as páginas do livro sagrado.
Foi gratificante!
Olhou apreensivamente para a “cartilha”, que agora, devido aos temporais jurídicos imprevistos ao longo do ano, apresentava a cúmplice e original coloração azul, mas como a satisfação era tanta, encolheu os ombros e murmurou baixinho, só para ele:
- Este prémio já cá canta e o resto é música!
Orgulhoso, beijou a “cartilha” e encaixou-a na sua estante, juntinha a outro livro que guardava religiosamente, o célebre “Muitos cem anos, têm largos dias”, de Giorgio di Bufa.
Nisto, toca novamente o telemóvel. Era outra vez Vittorio Pederneira.
- Está? Jójó?
- Sim, Vittorio. Então? Há mais alguma novidade? – perguntava Jójó.
- Olha, Jójó, é só para te comunicar que já temos reservado para a próxima sexta-feira, às 20h e 30m, o restaurante Tertúlia Azul e Verde, para um jantar de homenagem à tua pessoa e para a respectiva cerimónia de entrega do teu justíssimo prémio. - disse Vittorio.
- Oh! Vittorio, serei eu merecedor de tantos encómios? – perguntava hipocritamente Jójó, deixando cair uma grande baba em cima das suas pantufas de camurça.
Sim, Jójó. Temos de mostrar a nossa força e é uma boa altura para fazermos isso. Estamos no início de uma nova época. É importante agora. É como um aviso à navegação, percebes? - reforçou Vittorio.
- O jantar é informal, ou é de fato e gravata? – perguntou Jójó.
- Ó Jójó, vem à “maneira” para pareceres um “menino bonito”, e não te esqueças de pôr na lapela, só para disfarçar, o emblema dos Adiados do Lorpelo.
- Combinado! Lá estarei com muita honra e à “maneira”. Até lá!
E assim foi.
Jójó, todo “enfarpelado”, gravata azul bebé, camisa azul com colarinho “verde cueca”, abotoaduras em ouro de Gontomar, e fato novo, cinzento azulado, arrancou de sua casa direitinho à estação de S. Bento, no Porto, para apanhar uma composição que ligava com o AlfaPendular, em Campanhã, com destino a Lisboa.
Já no AlfaPendular, instalado em 1ª classe, todo refastelado e vaidoso, abriu as páginas do jornal “O Nojo” cuja capa trazia numa grande parangona uma notícia bombástica, com uma fotografia gigante,
sobreposta, de Giorgio di Bufa, cujo título era – “Obrigado! Sempre, sempre contra O Glorioso”! Era a sua derradeira edição devido às baixas tiragens e “share” que apresentava. O jornaleco-pasquim foi mesmo excluído do concurso que permitia transformar e reciclar as suas esfarrapadas páginas em rolos de papel higiénico, por falta de qualidade e de outros requisitos éticos. Era a estocada final, em suma, era a desgraça de Nelo Travares “O Androlas” – o seu director fantoche, mais conhecido por
Tripa Monga Monga. Bem, mas adiante.
Chegado a Lisboa, à estação do Oriente, saiu calmamente, aproximando-se da avenida principal, fazendo sinal para apanhar o primeiro táxi que aparecesse para o levar ao restaurante combinado.
Aí está! Cá está ele! – exclamou Jójó.
Jójó entrou no táxi, e, para seu azar, deu de caras com um “pirilampo mágico” felpudo e vermelho com o emblema do Glorioso, colado por cima do taxímetro. Jójó recuou instintivamente uns centímetros parecendo que tinha visto o diabo.
O taxista reparou, mas Jójó, qual apitador em jogos do Glorioso, disfarçando, colocou a mão direita fechada, junto à boca, deu duas tossidelas de circunstância e disse:
- Restaurante Tertúlia Azul e Verde, por favor.
Na viagem, o taxista, reconhecendo a “peça” que transportava, manteve-se calado, mas de vez em quando lá deixava escapar aquele assobio melodioso e brincalhão com algumas notas da “Chama Imensa” de Ruiz Pirraça.
Claro que à chegada ao destino, aquando do pagamento, Jójó não esteve com meias medidas. Entregou-lhe a respectiva quantia e como “gorgeta” deixou-lhe cinicamente 1 cêntimo em cima do “pirilampo mágico” e disse-lhe, sorrindo com a boca meia de lado, como só os apitadores sabem fazer:
- É uma ajudinha para a compra do CD do Ruiz Pirraça…está lá a música toda!
Já fora do táxi, arengou para com os seus botões:
- Já levaste com o amarelo seguido de vermelho e ainda não entraste em campo! Já pagaste pelo teu atrevimento! Com que então, acabado de chegar à Mouraria, e estas águias já estão a deitar as unhas de fora, hããn! Isso é que era doce!
A recepção foi calorosa. Vittorio, embevecido com o seu pupilo, extravasava boa disposição, e já à mesa, contava uma ou outra anedota sobre pneus, destilarias e botijas de metano.
O repasto foi composto por uma ementa de luxo da qual se destacou um prato confeccionado especialmente para este evento – “vol-au-vent de águia escaldada em redução de “porto” martelado, acompanhado de esparregado de feijão-verde rançoso aquecido em apito de lata” – devidamente “regado” com vinho verde branco da adega cooperativa do Olival.
Após o repasto em que todos os convivas aconchegaram devidamente o “bandulho” e o “odre”, com especial destaque para dois convidados de “peso” e das respectivas tutelas – “ Lauro Sem Tino Dias e Dias” e “Arfando Cumó Carvalho”- procedeu-se à entrega do prémio ao homenageado, abrilhantada com referências elogiosas de Vittorio.
Seguiu-se o discurso de Jójó.
Ei-lo:
Minhas Snras. Meus Snrs.,
Presidente e colegas,
Caríssimos Snrs. Observadores-delegados,
- As minhas primeiras, únicas e últimas palavras, são de eterna gratidão para quem, sofrendo, me ajudou a colocar no lugar mais alto deste podium - O Glorioso - pois sem ele, nada disto seria possível! Foi uma época em que o Glorioso me levou ao colo, de jogo em jogo, até ao apito final. Obrigado Glorioso! Muito obrigado!
Uma pequena pausa e continuou:
- Como é possível ter sido premiado com esta honrosa distinção se não tivesse tido a oportunidade de atirar diversas vezes o Glorioso para “fora das quatro linhas por “ko” técnico?
Como?
Como? Se não tivesse estrategicamente, por exemplo, marcado cinco faltas à entrada da área do Glorioso em dez minutos apenas?
Como? Se não tivesse “inclinado” sempre tanto o campo, obrigando os gloriosos jogadores a mostrarem a suas qualidades de alpinistas, em vez de chutarem na bola?
Como? Se não marcasse aqueles “fora-de-jogo” todos aos ditos gloriosos, ainda eles estavam colocados do lado do seu meio-campo?
Como? Se não apitasse “penalty” àquelas bolas que só tocaram nas orelhas e nos narizes dos mesmos jogadores?
Como? Se não tivesse expulso aqueles briosos profissionais, só porque eles gritavam e gesticulavam aflitos, uns para os outros, para não fazerem nenhuma falta?
Como? Digam-me lá como?
E lá rebentou a primeira salva de palmas da praxe numa manifestação de enorme fervor anti-Glorioso.
Mas não se deteve e arrancou para o prolongamento:
Se não tivesse “fechado os olhos” “à cacetada de três em pipa” que os adversários “a torto e a direito” distribuíam sobre os gloriosos, como seria?
Se tivesse visto os centrais gloriosos agarrados nos cantos, pelos adversários, na grande área que não a sua, como seria?
Se não mostrasse, premeditadamente os cartões amarelos aos médios e defesas do glorioso, logo no início das partidas, como seria?
E para acabar, lembram-se na Vila das Naves, no campo do Desportivo, quando o Kolhangounis tombado, com a mão e o antebraço dentro da relva à procura de toupeiras para se segurar, e apanha com uma bola, e eu também “às cegas” como elas, zás, toca a pôr a bola na marca dos 9 metros e 15. Mas o Nanquim que via bem, defendeu. Foi uma grande chatice! O observador disse-me que só não me dava 20 valores porque o glorioso tinha ganho. Eu ainda inclinei fortemente o campo, mas nada. Mas mesmo assim, foi uma grande pontuação que tive, não haja dúvida!
Quando o Glorioso entra em cena, não há nada como mostrar a nossa verdadeira natureza e estas desproporcionalidades para bem dos Apitadores e seus habilidosos acompanhantes e dos nossos chefes!
Viva o apito…final…impune. E o dourado…impune. E o azul…impune!!!
O discurso, curto mas objectivo, teve prolongada salva de palmas, com os presentes a gritarem Jójó, Jójó, Jójó e ainda se ouviu um “bravo ó Soisa” com o evento quase a terminar.
Sérgio Barbicha da APIFPAF , também presente, deliciado e já com um grão na asa, esticava e encolhia a sua língua de sogra anti-vermelha, e dizia, atirando-se para “fora de pé”:
- “Já…cinto paixão” pela fruta, outra vez, uauuuuuu!
Chamem o Collina! O Collina resolve! O Collina resolve!
Ómano Santos que estava ao lado de Sérgio Barbicha, incomodado,
agarrou num garfo de sobremesa, ainda com restos de banana da Ilha e num gesto discreto mas muito hábil, tás! Em cheio nos “tímbalos”! Com um sorriso amarelo e um esgar esbugalhado de 180º, Sérgio Barbicha meteu as mãos nos “entrefolhos” e não mais abriu a boca! Mas que foi o momento mais hilariante da noite, lá isso foi!
O presidente Vittorio e os apitadores Trapacílio, Òvigário e o Bosta das Engenhocas entreolhavam-se atónitos e ao mesmo tempo completamente aparvalhados!
Trapacílio completamente desconcertado, virou-se para Òvigário e para o Bosta das Engenhocas e desabafou, perguntando e dizendo:
- Quem é que mandou vir este Sérgio Barbicha? E o discurso do Jójó?
Caramba!
Este Soisa lembra-se de cada coisa…
GRÃO VASCO