- No tempo em que os animais falavam -
Já a noite ia alta e os pintos ainda conspiravam.
Nados e criados no aviário corrupto de “Palermo”, lamentavam o passamento já longínquo de Adrianni, voz de falsete. Lorênzo, sempre na sombra, com uma das mãos no ombro de Giorgio e a outra segurando um balão comprado na alfândega, feito de bexiga trypeira, exclamava:
- Ai, que saudades! Belos tempos em que o “calo” que adquiri a defender cadastrados e perigosos criminosos juntamente com os “chitos” do Adrianni formavam aquela mistura explosiva e eficaz para o nosso grémio ganhar sempre vantagem! Belos tempos!
E continuou:
- Com o Soisa, também não foi mal a “coisa”, não senhor! – dizia todo satisfeito.
E mandando um toque com a sua luzidia careca naquele balão bexigoso, virou-se para o Soisa e perguntou-lhe:
- Mas, ó Soisa, como é que te apanharam com a boca na botija? Eu já vos tinha avisado desse perigo. Tanto assim é, que algum tempo depois, o Giorgio bem me pode agradecer não ter ido para a “gaiola”, quando ”voou” à última da hora para San Milagro de Comportela. Lá, continuou a empoleirar-se em grande e à maneira. Bem, o que é certo é que depois, para surpresa minha, aquela galinácea badalhoca ainda veio lançar mais biocombustível para a fogueira. Isso é que foi o diabo! Mas, ó Giorgio, explica lá essa história…
Giorgio, com aquele sorriso carregado de ironia, meio azedo, meio nostálgico ainda a saborear mentalmente aquela galinácea no churrasco, que o derreteu completamente, encolheu os ombros e disse:
- Sabes, Lorênzo, isto já vem de infância. O Soisa foi sempre um bom companheiro e gostava de agradar a todos. Mas na melhor altura deixava-se sempre apanhar. Era e ainda é um pintaínho. Mas pronto! Cumpriu bem o seu papel e a sua parte, e o grémio está-lhe muito agradecido.
Soisa, que até àquele momento não tinha “aberto o bico”, disse entre dentes:
- O meu tempo, o nosso tempo, o tempo dos pintos está a acabar. Para mim, até já acabou. Nem no outro mundo me vou livrar do fardo que carrego às costas. Por ti, Giorgio, deixei de ser pinto e transformei-me em mexilhão! Eu como pela medida grande e tu é que untas a tua barriga flatulenta ao sol! E mais, os novos pintos já não são aqueles retintos como nós e como o Idílio, o amador. São calimeros!!!
- Calimeros?!?! – perguntou Lorênzo.
- Exactamente! É o que está a dar! – respondeu Soisa.
E continuou:
- Nós tínhamos como lema, “quanto mais corrupção, mais campeão”! Agora, os calimeros só dizem, “quanto mais chorarmos, mais mamamos”!
Com a decadência do império corrupto de “Palermo”, abrindo mão desesperadamente de todas as indecências através de co-juras e corujas contratadas à última da hora, armadores de tentilhões e tordos e com os principais passarões a serem depenados e entalados em processos diversos, emergiram subespécies que com um defeito genético - espinha dorsal dobrada e chorando como carpideiras doidas - estão na “crista da onda”.
- Então, e vocês sabem quem são? – perguntou curioso, Lorênzo.
- Eles ainda costumam vir aqui, a “Palermo”. Vêm ao beija-mão, vão debicando alguma coisa e lá voltam para o poleiro deles. Principalmente o Jameson e o Dranquilo. Outras vezes piam os substitutos, o Salgema Garçone, o Roger McCann, o Rivatrelles e o Roger de Briteiros. Mas há mais calimeros. Os “merdia” estão infestados deles! É uma praga que ainda não nos faz frente, mas é preciso ter cuidado com eles – avisava Giorgio com cara de sério.
Já sei, Giorgio, já sei. Já estou lembrado! – gesticulava Lorênzo, mandando mais uma “pinhoada” no balão bexigoso.
E exclamando, perguntou:
- Foi quando estiveste lado a lado com aquele grande passaroco. Agora estou a ver. Era grande, era, nem sabia que era o calimero número um! Tu bem querias “apertar-lhe o “papo”, mas o gajo era tão alto que só conseguiste beliscar-lhe os tomates, não foi?
- Mas assim já sabem como é que é. Já viraram os bicos para o ninho das águias e que se amanhem. O problema é deles, pois ainda quero sobreviver mais algum tempo. Os calimerosconhecem nem a sua sina e já se mentalizaram que nunca podem ser primeiros. Só podem ser, no máximo, segundos, e isso dá-nos alguma “tranquilidade”, parafraseando aquele esgazeado que foi depenado no último fim-de-semana. O que é preciso é que eles guerreiem sempre as águias, pois eu já estou muito gasto dessa luta. Gostaria de ser como elas, mas o destino é cruel e serei sempre um pinto! – dizia Giorgio pesaroso, deixando cair baba e ranho, para espanto dos outros dois.
E continuou:
- Já disse ao Jameson que a palavra de ordem é “ora agora malhamos nós, ora depois malham vocês!”. E é para seguir à risca! Senão, adeus calimeros! Ainda ontem assim foi. Guilhermo Cagaya, o “pinto vaselineiro”, e Zeca Diabo, o “calimero carroceiro” bem quiseram torcer o pescoço à águia, mesmo esfrangalhá-la, mas o raio do “Cervantes”, nascido na Trypalândia, é duro de roer e ferrou-lhes umas bicadas certas que os pôs a trepar pelas paredes acima. Tenho que mandar fazer ao mestre merdium Alves do Celse uma “macumba bexigosa” para ele ir ao sítio. O Cagaya está a perder gás e já começa a engasgar-se com as espinhas do “Cervantes”! E depois a actuação do Jameson. A primeira, quase de encomenda, com uma interpretação trapalhona a duros e justificados comunicados alheios mas já bastante etilizada. A segunda, com um início totalmente fora do contexto e reveladora que o processo de destilação estava para dar e durar! Ainda bem que administradores sóbrios e sérios puseram imediatamente este calimero no sítio. Tenho que concordar que naquele programa e com aquele tema era o que se poderia fazer!
Olha se em “Palermo” tivéssemos um gajo daqueles, garanto-vos que o punha a beber água do rio dourado durante um ano! Mas que grande noite!
E perguntava Giorgio:
- Será que Jameson sabia que a suas actuações eram àquelas horas?
É que eu já o avisei que intervenções após o almoço, não! Mas aqui para nós, ó Lorênzo, aquilo ontem cheirou-me muito a galinha choca e a demasiado calimero. Muita falsa lamúria e muita treta. O Dranquilo só pede as “raspas” da pré, mas nunca fiando. O Jameson nessa altura já estava a meter muita água. Se calhar já era para compensar, para fazer a proporcional diluição etílica. Espero bem que o “Bojuda”, lá no berço da nacionalidade não nos arranje nenhuma “estrangeirinha”, pois aí, não sei, não…- continuava Giorgio, largando discretamente uma “bufa rasteira”, mas que não passou despercebida aos outros dois, deixando-os completamente estarrecidos.
- Desconfio que ainda tenho de apertar os tomates outra vez ao Jameson. Porraaa! Aquele calimero está cada vez mais alto. Como tem crescido! Qualquer dia com todos aqueles pseudo sacrifícios, pseudo injustiças e falsas lamúrias ainda vai substituir o Cristo-Rei, e mal! Bem, mas o que interessa é que aqueles falsos calimeros continuem a malhar forte e feio nas águias. Essa é que é essa! Escusamos de nos desgastar tanto. Já temos substitutos e…de espinha dorsal dobrada! - rematou Giorgio
- Já agora aperta também o teu esfíncter anal, senão ainda vou parar ao hospital por asfixia flatulenta! – suspirava Soisa, já com uma mola no nariz.
Lorênzo, habituado àquele e a outros ambientes malcheirosos e nauseabundos, ria-se a bom rir, aproveitando para pigarrear e descarregar mais metralha!
GRÃO VASCO