quinta-feira, janeiro 28

A "RÉVANCHE" DAS LAVANDEIRAS DA MADALENA

Primas da Tripulha em plena labuta num rio Ugandês

Mosquitos por cordas!
Tinha rebentado mais uma grossa bernarda.
“Giorgio”, o padrinho, estava outra vez nas bocas do mundo.
Na margem do rio, mesmo junto à Ribeira, estava instalado um enorme rebuliço entre as suas afilhadas mais branqueadoras de “Palermo” – as eficazes e famigeradas lavandeiras da Madalena.
Ninguém sabia do paradeiro da Tripulha, uma simplória lavandeira ugandesa, que através da Associação de Amizade Portugal-Uganda, se encontrava na Trypalândia a tirar um curso da sua área profissional, e que, para testar as suas qualidades, resolveu arriar a giga e conspurcar a roupa que tinha sido tão bem branqueada pelas zelosas colegas da Madalena.
Ali mesmo, à beira-rio, em mais um momento de alvura e branqueamento, as lavandeiras tinham recebido a grave notícia pela voz de Madame Olímpia, “A Benta” – uma incorrigível putona batida e ressaibiada. Era pública a divulgação pela Tripulha, das famosas e comprometedoras escutas, contendo as grossas mascambilhas e intensas promiscuidades entre Giorgio e a sua tenebrosa camarilha.
Giorgio tinha sido outra vez apanhado com as calças na mão e havia no ar, o receio de mais escândalos.
Guilhermina Aguinchar, “A Mine”, uma oportunista de refinado calibre, Poncha Merdeira, uma velha taralhouca, apelidada de “A Ratazana”, e Ruca Paineleira, “A Maricôncia”, estavam fulas e corriam esfalfadas pelas vielas da Ribeira, para cima e para baixo, em busca da dita cuja, acompanhadas por Abel Carabinieri, agente de segurança nas horas vagas e por Nelito Serrano, um gorducho parido no gueto de “Palermo” num dia de nevoeiro, e cujo peso do seu sêbo era e é proporcional à sua imbecilidade e estupidez.

[Convém referir que Guilhermina Aguinchar se transformou há muito numa lavandeira de primeira classe. Desde que rapou o seu farto buço, refinou a sua índole regateira e arruaceira, muito típica de quem, anos e anos a fio, se habituou a uma gritante impunidade. Era e continua a ser uma descarada, sempre pronta a defender o seu padrinho Giorgio, branqueando a sua roupagem, seja qual ela seja. Em suma, uma lavandeira de luxo.
Poncha Merdeira, já na fase decadente da sua super carreira branqueadora, arrastando a perna, lá continua na sua senda de trauliteira de ponta, agora com incitamentos à violência em momentos de pouca lucidez.
Para completar o trio das “Lavandeiras da Madalena” falta a referência a Ruca Paineleira, uma vedeta da fina flôr do entulho do “jet set” de “Palermo”, comerciante de fachada, com negócios obscuros de bolsa na Torre da Pocilga e recentemente contratada como lavandeira de aviário, sempre pronta a falar sobre a “outra senhora”, e cujo desejo secreto seria passar uma noite íntima com Calabote e o seu apito, o seu fetiche de sempre.
Um trio impagável de autênticas pontas-de-lança na tarefa de “branquear” e “apagar” toda a sujidade de “Palermo”.]

Assim, nessa manhã, a meio de uma viela sombria da Ribeira que tresandava a mofo e humidade, Guilhermina, indignada após a dramática denúncia, numa farsa teatral de faca e alguidar, gritava que nem uma doida:
- Agarrem, agarrem! Agarrem-me essa puta do Uganda! Essa “bufa”, tal e qual as do Canidêlo!
- Agarrem essa Tripulha! Essa badalhoca vermelhusca! – reforçava logo atrás, coxeando, em pré-apoplexia a Poncha Merdeira.
Ruca Paineleira, de mãos nas ancas, abanava a cabeça sob o olhar circunspecto do grupelho da Ribeira, agora desfalcado de três dos seus principais operacionais, que não foram de modas e por causa das coisas, solicitaram licença sem vencimento com uma duração superior a vinte anos.
Poncha, incomodada com a notícia, indagava Abel Carabinieri, que entretanto se tinha juntado à brigada perseguidora, na incessante busca da infractora:
- Olha lá, ó Abel! Já foste atrás da gaja ou não? Tens alguma pista?
- Mas qual gaja, ó Poncha? – ripostava o Carabinieri espantado, abrindo aquela bocarra, exibindo a sua podre cremalheira e exalando um hálito intragável.
- A Tripulha! Aquela toina deslavada de vinte e cinco anos, que fanou as cassetes com as escutas e que as pôs a circular na “Rádio Verdade” – dizia fora de si a louca da Poncha. E continuando, lamentava-se:
- Vê lá bem, ó Abel! Como é que aquela sacaninha teve o atrevimento para revelar uma série de ilícitos que já estavam tão bem camuflados! Isto não se faz! E logo ao mentor do grémio da Fruta Corrupção & Putêdo! Uma vergonha!
- Ó Poncha, ainda se fosse atrás duma daquelas três brasileiras…- insinuava o Carabinieri.
- Quais brasileiras, carago? – perguntava a Guilhermina já a olhar de lado.
- Ó "Mine", as gajas do bacanal com os apitadeiros, que fizeram aquele jeitaço ao nosso grémio. As do “gerente da caixa”! “Já sinto paixão” por elas outra vez. Nem imaginas. Aquilo sim, eram biscatos de alto coturno! Agora aquela ugandesa, e logo em “lingerie” encarnada…Se calhar já se pirou outra vez para o Uganda. E às tantas, qualquer dia, vem aí uma do Burundi - ria-se o Abel, já a pegar no telemóvel para avançar com a investigação e encomendar mais umas mentiras sobre o orelhudo vermelho, aos faxinas de serviço, Tavares-Relles e Tavares Tripa-Monga.
- És mesmo um Carabinieri analfabeto! – exclamava a Poncha. E continuava:
- Só tens jeito para andar a exibir a tua metralhadora portátil e a ameaçar tudo e todos no túnel da Pocilga. Essas gajas, já nós as despachámos e arrumámos há muito tempo! Estão no Brasil, em parte incerta e não há ninguém que lhes ponha a vista em cima. Aí, está tudo sob controlo. Nessa roupa já passámos branqueador que baste!
A Guilhermina, atenta ao diálogo, sentenciou logo o caso:
- Agora, o que precisamos, é de dar caça a essa Tripulha duma figa e arrasar de vez com a Creolina. Esta foi mais uma. Desde que cagou na ventoínha, ao publicar o “Diário de Giorgio” obrigou-nos a redobrar os nossos esforços para branquearmos tudo outra vez. O que vale é que temos sempre em armazém algumas togas por lavar e limpar. Assim, estas só se lavam, se toda a outra roupa for bem branqueada. E ala que se faz tarde, pois ainda hoje tenho de dar as mamadas da ordem ao Mikael.
- Então e o garoto, já levou a vacina atrás da orelha e já fez a lavagem ao encéfalo? – perguntou muito séria a Poncha.
- Já, já fez tudo, tudinho! Já fomos à Póvoa ontem, e parece-me que já está tudo a fazer efeito. Pelo menos já recuperou a memória. Vê lá tu bem, ó Poncha, o rapazito andava tão amnésico desde Outubro e depois, olha, depois da vacina e da lavagem é o que se vê. Aquele clínico é um espectáculo. Como se não bastassem aquelas cápsulas milagrareiras, eficazes na queda do cabelo, ainda conseguiu pôr o catraio a ver novamente a luz ao fundo do túnel. Agora só falta aquele juiz do casino e da bagunçada do "table dance" com a aquela checa deslumbrante, emitir um mandato de captura para a nossa Judite dar caça formal à Tripulha – respondeu a "Mine" esboçando um sorriso malandro.
- Assim, tá bem! – completou a Poncha, piscando-lhe o olho.
E "Mine" não se detendo, perguntou à sua amiga, com ar sério:
- Olha lá, ainda tens o filme guardado, ou já o destruíste?
- Oh, oh! Isso é que era bom. Está sempre em "stand by" e em lugar seguro. Esse e outros materiais podem ser precisos a qualquer momento. E as fotos também. Está a brincar ó quê, ó "Mine"? – atirou logo “A Ratazana” com aquele ar de gozo.
- Ok, ok! Só estava a perguntar. Estou a ver que continuas em grande forma – exclamou a "Mine" gesticulando.
Nelito Serrano abanava a cabeçorra em sinal afirmativo e grunhia.
Ruca, atordoada com a confusão, ainda perguntou com aquele ar “maricôncio”:
- Ó colegas, se andam a abafar e a branquear estas coisas, qualquer dia sou despromovida e deixo de ser uma lavandeira séria para passar a puta rasca. Então ando sempre a falar na “outra senhora”, do tempo em que se passava uma esponja em tudo e agora vão dar caça à Tripulha?
O grupo entreolhou-se aterrado.
Nesse preciso momento ouviu-se um ruído borbulhoso e inquietante que percorreu toda a Ribeira, atravessando o rio e indo parar às caves do generoso em Cagaya. Seriam os esgotos contumilianos, revoltosos e saturados de tanto esterco e tanta vigarice produzidos em “Palermo”?
Não. Mas era quase a mesma coisa.
Desta vez, era o padrinho Giorgio em lenta agonia, em mais uma descarga processual fedorenta, algures num tribunal de “Palermo”.

GRÃO VASCO