quinta-feira, maio 20

O REBUÇADINHO



Tudo começou em Palermo, naquele fim de tarde, num quarto de um apartamento alugado ao preço do ouro e luxuosamente decorado para encontros íntimos e furtivos. Uma das pontas do lençol da alcova adúltera de Cyranda penetrava inexoràvelmente pelo intestino grosso de Giorgio adentro – dois centímetros a cada trinta segundos.
O efeito de sucção sobrepunha-se cada vez mais ao efeito de estufa.
Cyranda estava prestes a bater o record de Creolina.
Giorgio, em extâse total, com a baba ao canto da boca, esquecido das ridículas declamações poéticas nos saraus da Pocilga e das conversas pseudomediúnicas com o Cartola, dispunha agora de uma nova terapêutica para bloquear as suas temíveis bufas assassinas, que aumentavam, e de que maneira, o efeito de estufa sufocante, fedorento e socialmente inconveniente nas tertúlias secretas e corruptas de Palermo.
A táctica do lençol evitava que Di Bufa, o incontrolável peidorreiro, tivesse de suplicar à sua nova companheira pelas fumarentas cigarradas de outros tempos. Já não necessitava de diluir as bufas na fumaça. E ela sabia-o bem.
Oriunda de um país tropical, habituada a ambientes quentes e fervilhantes, filha de um ourives incógnito do interior sertanejo, Cyranda tinha aprendido desde a sua adolescência, o ofício do pai, especializando-se na elaboração de longos e requintados broches. O virtuosismo desta sua arte tem sido tal, que nem Giorgio resistiu. Lá voltaram os presentinhos, a máquina fotográfica descartável, a incontornável “viagem experimental” a San Milagro de Comportela e mais uma tourada à espanhola num quarto de um hostal qualquer servindo de plaza de toros, com Giorgio marrando desalmadamente no vermelho, - apelido de cabrão já ele levava de Palermo – e a minina, de fio dental, com o seu belo par de maminhas prestes a transbordar do seu decotadíssimo traje de luces, ostentando a reluzente colecção de broches magistrais manufacturados durante os seus episódios passionais, alternando uns “olés, olés, viejo cabrón!”, com um “bien me sabes…” profundo, sambado, bem profundo, bem sambado, finalizado ao som de um pasodoble ensaiado pela banda da sociedade filarmónica de SanMilagro.
Giorgio sentia algum incómodo pelo trajecto do lençol, mas o efeito de sucção de Cyranda, deixava-o completamente em órbita orgástica, sonhando, numa evocação refinada do apito dourado, com uma equipa de futebol feminino composta por designers de ourivesaria, treinada por Óvigário, ou pelo gatuno do Lordêlo, e, capaz ainda, de evitar a estrondosa vitória do Glorioso no campeonato.
Mas nessa altura, ao pôr-do-sol desse domingo de 9 de Maio de 2010, já a banda da filarmónica, na plaza mayor da cidade, arrancava a melodia de sempre – “Ser Benfiquista” – pela 32ª vez!
Giorgio, estupefacto ao ouvir tamanha heresia, vociferou, arrepelou a sua trunfa rala e caduca, rangeu a dentuça, mordeu a outra ponta do lençol, enxotando Cyranda e exclamou:
- Porra! Ainda há mouros na Galiza!
E para dar de beber à dor, esperou por uma caipirinha bem caprichada, como se estivesse esperando uma ida à Champions na próxima época…

“Ai Mena, Mena, onde tu te foste meter!
O que vale é que ainda tens em Lisboa o ombro do Malhadeiro para carpir as tuas mágoas e talvez… a fortuna do velho para disputar”.

Realmente, o Brasil e os brasileiros têm destes fenómenos da natureza. Afinal não é só o Pélé. Desde que se dedicaram a exportar os seus produtos, fizeram-no tão sàbiamente, que hoje, por todo o mundo, há sempre uma jovem “Cyranda” à caça de um “velho rico”, corneando à descarada e mediàticamente, muitas “Menas” de muitos “Palermos”!

Ah, ganda sucção!

GRÃO VASCO