sábado, outubro 4

ÒVIGÁRIO QUEMTEQUERENÇA “O Artista da Concertina”

“ A ATRACÇÃO PELO RISCO”


Òvigário Quemtequerença é seguramente mais um músico de créditos firmados, na senda de Trapacílios, Soisas, Bostas e quejandos. Um “rico” e “excepcional” naipe da nossa música e que tem feito escola, e que “escola” no nosso país pobrete mas alegrete.

Primo de outro artista do nacional-cançonetismo pimba – Nanquim Marreiros – tem evoluído no nosso panorama musical, tocando concertina, um instrumento que estica e encolhe conforme as conveniências e interesses – escondidos ou não – do próprio.
Este movimento, quase elástico, é a razão pela qual Òvigário tem “desconsertado” tudo, especialmente quando a orquestra Gloriosa começa as suas actuações, calando-a e abafando-a com o toque “harmonicamente azulado”, mas roufenho, da sua inseparável concertina!

Não é um músico estudioso e perfeccionista, não. É sim, um artista vocacionado para os grandes momentos em que numa inspiração e intuição de “cagagésimos” de segundo, arranca aquele “concerto” que no segundo seguinte arrasa qualquer plateia e desconserta-a. Então se ela estiver equipada de vermelho é uma razia!

Ao contrário de muitos que actuam nos nossos palcos, Òvigário tem uma atracção fatal pelo “risco”.
É um “jogador” nato.
Faz da pauta um “risco”, como aquele que atravessa uma baliza de futebol de poste a poste, e não se importa se a melodia passa para além da pauta!
Mesmo que passe, Òvigário, talentosamente, agarra na sua concertina, e com uma versatilidade única, atira:
“Eu, Òvigário, Òvigário,
Se a melodia passa a pauta,
Toco tudo ao contrário!”
E tem sido assim, sempre assim!
O caso mais paradigmático desta sua característica única, aconteceu no célebre anfiteatro de La Luz em que a plateia e a orquestra ficaram completamente sideradas pela sua vaidade e presunção.
Com um toque magistral subtraiu à orquestra e à plateia uma “partitura” que arrasou o futuro a médio prazo da orquestra no que diz respeito à classificação no ranking musical.

Uma melodia que estava bem para lá do “risco” da pauta, e que ele, descaradamente, como se nada fosse, colocou-a para cá do risco.

E o “show” teve de continuar.

Ele, já por si, é “seguro” por muitos “seguros”. “Seguramente” que com estas brilhantes actuações, à descarada, já nem de “seguro” precisa. Granjeou das altas instâncias do apoio a este tipo de artistas, um estatuto, que por mais provas factuais que existam, o deixarão sempre imune a exemplares procedimentos, para os quais o Sérgio Barbicha e o Leão d’ouro farão sempre orelhas moucas e “olhares para o chão”.

Completando este dossier sobre “O Homem da Concertina”, vou contar resumidamente, mais um episódio dos meus tempos de estudante que se ajusta muito bem ao perfil deste espécime.
Na escola secundária que frequentava, no meu 2º ano, ano de exame, havia um pseudoprofessor de Educação Física, de nome “Mirandez”. Um “vaidosão” vindo de Campanhã, que andava sempre de óculos de sol “ray ban” de lentes verdes claras e aros amarelos à “piloto-aviador”, blusão de cabedal castanho com gola levantada à “James Dean”, calças de ganga e botas à “cow-boy”, sem curso nem diploma, admitido “à lagardère”, isto é, “por cunha”, para ganhar uns cobres enquanto não chegavam os efectivos.
Manhosamente, quando jogávamos futebol, distribuía a turma por duas equipas, e armado em árbitro, ordenava:
- Quem é contra o Benfica, campo, bola e baliza de cima. Quem é por eles, para a baliza de baixo e depressinha!
O campo era a “descer” e bem! A maioria da equipa dos que eram contra o Benfica era composta pelos mais velhos da turma, muitos deles bi-repetentes.
Cada vez que havia um “joguinho”, para nós, os Enormes Benfiquistas, uns “caganatos” ao pé daqueles “grandalhões”, praguejadores por excesso, era o martírio do costume. “Castanha” a sério, cotovelos arranhados, joelhos esmurrados, calções rasgados, sapatos à “boca de sapo” e uma grande “tosa” para nossa baliza.
A desmoralização era evidente e o silêncio só acabava ao outro dia quando nos cumprimentávamos, na secreta esperança de um dia os poder derrotar!
O pseudoprofessor “esbodegava-se” todo ao ver aquelas “malhas” sucessivas, com golos atrás de golos.
- Não têm hipótese, nunca ganham! Joguem antes “pau com os ursos”! – dizia aquela avantesma espraiando-se numa gargalhada desbragada.
No entanto, nos últimos jogos efectuados, começou a haver maior equilíbrio e o 1-2 ou o 2-3 era o resultado mais frequente, mas mesmo assim com aquela inclinação a “vinte graus” e com aquele peneirento a apitar saíamos de lá todos esfarrapados! Inclusivamente, quando eles marcavam o golo da vitória, o “gajo” dava logo por terminado o jogo!
Um dia, aquando de um “tempo feriado”, combinou-se mais um jogo, este de apuramento, entre as duas equipas rivais, com a presença do “Mirandez”, qual imbecil já a “arreganhar a taxa” para mais uma hora de “gozo total”.
- Então? É hoje? – perguntou ele, com mais sorrisinho cínico.
- Se calhar até, é. – respondeu-lhe um dos nossos.
Logo de seguida, a nossa equipa, a dos que eram do Benfica, a dos “caganatos”, entrou em campo com as sacolas, os cadernos e os livros debaixo do braço, e os seus gloriosos elementos foram sentar-se ao longo da linha da baliza fatídica, (logo ao longo da linha de baliza!), a de baixo, cruzando as pernas “à chinês”.
Abriram os diversos livros e fizeram de contas que se concentravam no estudo.
O pseudoprofessor, incrédulo, de boca aberta, cheirando-lhe a marosca, perguntou autoritário:
- Então? Não jogam? É pr’armar ó “pingarelho”, ou estão com o medo?
O capitão da equipa dos Gloriosos “caganatos”, um excelente aluno, conhecido pelo “Ralhas”, cujo pai tinha sido atleta do Benfica, respondeu-lhe assim, sem vacilar:
- Enquanto estamos à espera de um verdadeiro mestre de Educação Física, estamos a estudar, para rapidamente construirmos um campo plano para lhe ganharmos a si, primeiro!
E sem o deixar abrir a boca, continuou:
- Nós sabemos que o “stôr” se vinga em nós porque o Eusébio quando joga contra o seu clube rebenta com o guarda-redes, o Américo, e os defesas que lá tem. Mete-os todos dentro da baliza. É cada “zerada” que nem “as vêem passar” e o campo é sempre plano!
O “Mirandez”, mal-disposto com a conversa, arrotou azedamente, deu duas apitadelas insossas, cruzou as mãos e os antebraços duas vezes e disse:
- O jogo terminou!
Puxa! O jogo terminou, nem sequer tinha começado? – questionámo-nos.
Ganharam 1-0! – disse o artista, já longe.
Ganhámos contra a batota, contra a trapaça, e dessa vez, ficámos apurados para a competição.
No final-do-ano ganhámos a Taça Interturmas do 1º ciclo com medalhas e tudo! Limpinho!
Que grande gozo, caramba! Foi fenomenal!
Os “Grandalhões”, colegas da mesma turma, os “obrigados a não ser do Benfica” vieram felicitar-nos e apoiaram-nos na final.
Até as catraias, já espigadotas, que só falavam de mini-saias e namoricos, e só arregalavam a pestana para os mais crescidos, até essas, já gritavam pelos nossos nomes, todas tontas pelo Benfica!
Muitos, nesse dia, mudaram para o Benfica.
Quase todos queriam ser do Benfica.
Fomos todos comemorar!
Um pão com marmelada e meio pirolito para cada um…e um GRANDE VIVA AO BENFICA!!!

…Nessa altura também já havia “Òvigários Quentequerenças”…e a WEFA estava a dar os primeiros passos…

GRÃO VASCO