"Terá feito PUM!, suponho. Quero dizer: o tiro. Alguém deve ter ouvido. Um tiro num WC não soa no vácuo. Isto é: digo eu, porque informação não há. Diz-se que foi no WC; diz-se que foi um tiro. Os jornais não têm letras, as televisões não têm imagens, as rádios não têm voz.
Um tiro provoca perguntas: quem foi?; por que foi? Ninguém responde às perguntas. Pior ainda: ninguém faz perguntas. Fazemos nós, cada um por si.
Mas não fazem perguntas aqueles que tinham como obrigação profissional fazê-las. O silêncio é grosso: envolve um estádio, envolve uma torre de escritórios, envolve um clube.
Misterioso clube esse, que vive envolto em silêncios apenas interrompidos pelas tiradas imbecis de um velho escroque.
Consta-se que a polícia abriu inquérito, desenvolveu investigações. Mas não se sabe ao certo. O silêncio também tomou conta da polícia. Há conclusões? Há relatórios? Vá lá saber-se. O poço é fundo, muito fundo.
Certo dia, a certa hora, ouviu-se (parece...) um tiro. Houve um morto, pelo menos houve rumores de existir um morto. Quem o matou? Ele próprio ou mão alheia?
Era um morto que incomodou enquanto vivo? Era apenas um cavalheiro solitário sem razões para viver? E a arma? Não há tiro sem arma. Isto é: não costuma haver tiro sem arma, mas talvez estejamos perante um universo diferente, difuso, no qual as razões e as consequências não coabitam no mesmo espaço.
PUM!, ouviu-se no edifício, no estádio, suponho. Ninguém quis verdadeiramente saber. Ignorem, desvalorizem, não passa de um homem morto... Há lá coisa mais banal do que um homem que é morto?
A quem convém o silêncio?, já perguntei aqui. E respondo de novo: o silêncio convém aos criminosos. Já ninguém ouve um tiro no silêncio...
P.S. Depois de uma morte, outra morte. Parece que para certa gente as mortes são banais. Aconteçam num WC ou numa estrada. Não lhes pesam na consciência: é coisa que não têm.»